quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Manifesto ao planejamento efêmero

Por que insistimos em fazer projetos para uma vida toda, quando sabemos muito bem sobre a dinamicidade de nossas experiências? A incerteza inevitável, a imprevisibilidade e até mesmo a probabilidade não estão ao nosso favor na planificação cotidiana do cotidiano que está por vir. Não podemos dizer que a maioria das coisas que irão acontecer em nossas vidas de fato ocorrerão, mas então, por quê tentar prever? Nos propomos a seguir uma carreira, mas sabemos que este plano pode se modificar. Amamos o amante que planeja e somos amados nas nossas expectativas que dão um sentido do/ao amor, mas para quê?
Àqueles que planejam e são realistas, àqueles que planejam e não desejam a hipocrisia, resta a ética da ilusão que enquanto superficialidade fala sobre o conteúdo. A estes não resta pouco. Resta o planejamento de uma vida para o todo, repleta de sentimentos, medo, insegurança, raiva ou amor. Ter uma família para toda a vida ou amor para sempre é sentir o momento efêmero, é, sim, viver. E que a ética humana seja a ética da humanização. Àqueles que planejam com a concretude que não dá espaço ao sonho e ao aprendizado concorrente ao sonho, só restam os meios na relação com a materialidade. Pobres destes que vivem uma ilusão empobrecida.

7 comentários:

Anônimo disse...

E se pudéssemos de fato ser pescadores pela manhã, críticos críticos à tarde e literatos À noite? Como ficariam as trajetórias, os planos, as dificuldades?
Daí sim as pessoas começariam a ligar para dentro, a enxergar suas misérias pessoais. Ou se matariam, como na Suécia.

Maurício disse...

É verdade, e, corroborando, ainda acho que a possibilidade de haver "tempo" para a reflexão, ou de momentos onde a subsistência não seja o objetivo primeiro da existência são fundamentais para uma emancipação: isso é fundamental, mas não a solução; tampouco é o primeiro passo para tal.
Olhar para dentro é encarar de fato as "trajetórias, os planos e as dificuldades". Sem olhar para dentro, as "trajetórias, planos e dificuldades " não passam de mera automaticidade.

heliopaz disse...

Maureba,

Concordo 100% com o que tu disseste! ;)

[]'s,
Blackão

Anônimo disse...

Desistiu? está sem diéias?

Maurício disse...

Que nada! Apenas passo por um momento de preocupação com efemeridades necessárias à subsistência. Tenho alguns rascunhos...

Anônimo disse...

Meu velho, devolvo a contrapelo, e dostoievskianamente, a tua colocação a respeito da ode à ética do efêmero - aliás, propugnação que se relaciona decisivamente com o instante-já lispectoriano; ora, e mesmo nietzschiano!
E se Raskolnikov, o grande amigo da humanidade, quiser verticalizar completamente seu instante-já a partir da extinção da alteridade? Ora, você fala de uma angústia muito do eu - angústia com que sempre quero lidar, também -, mas, de qualquer forma, não seria muito poder para o HOMEM-DEUS? Não seria propugnar por um total relativismo? O que me permitiria não somente querer respeitar o outro, mas também senti-lo como um e respeitá-lo como a um irmão?
"Se Deus não existe, e a alma é mortal, tudo é permitido".

Maurício disse...

Será possível ter ética e ser cético? Creio que sim. De onde virá a ética então? Do individual coletivisado. Da atitude ativa frente a moral, da independência tanto da prisão que assola o indivíduo isolado, como da prisão propugnada pela força coercitiva do social. Acredito que este argumento não está impossibilitado de casar com uma espiritualidade. No meu caso é isso que acontece: há uma espiritualidade sem nome, que aos poucos preenche. Por enquanto, as minhas disposições para a ética, céticas, vêm em função da inculcação que sofri no percurso da vida. Vejamos o que o caminho que virá fará destes valores.